Esta semana me detive envolto em várias leituras diferentes. Li um pouco de História dos Concílios Ecumênicos, principalmente os da Cristandade indivisa (Niceia, Constantinopla, Éfeso e Calcedônia); também li um pouco sobre São Paulo e seu trabalho como evangelizador; mas o que mais me chamou a atenção foi ler e aprender um pouco sobre o Cristianismo Celta, uma vertente do Cristianismo que existiu até a alta Idade Média, na Irlanda, Escócia, Gales e algumas partes da Inglaterra. Um Cristianismo diferente, significativo, que influenciou o monasticismo europeu (centro e norte da Europa) através do trabalho de seus" monges marinheiros". Uma Igreja que deu origem ao Anglicanismo e que se constitui em uma das mais importantes contribuições à Cristandade Ocidental.
Segundo uma antiga tradição, o Cristianismo chegou às Ilhas Britânicas através do trabalho evangelizador de José de Arimateia, o mesmo discípulo que cedeu o túmulo para Jesus ser sepultado e onde ficou por apenas três dias. No século V, São Patrício foi uma das muitas pessoas que trouxeram a fé cristã para a Irlanda. Porque a fé cristã floresceu dentro da cultura celta já existente, e porque as terras celtas estavam tão longe de Roma, o cristianismo celta tem um sabor e uma ênfase únicos. O que chamamos de “Cristianismo Céltico” floresceu entre os séculos V e IX em todas as Ilhas Britânicas, mas concentrou-se particularmente no oeste e no norte: Cornualha, País de Gales, Escócia e Irlanda (em verde, no mapa). Também havia celtas na Bretanha, na França. Hoje estas terras acolhem frequentemente festivais celtas, tanto cristãos como pré-cristãos. Nesta postagem do blog, examinaremos especificamente o sabor único do Cristianismo como acreditamos que foi praticado nas terras celtas de meados ao final do primeiro milênio. Os cristãos celtas tinham um senso vívido do sobrenatural e cultivavam lugares e épocas do ano em que o mundo sobrenatural parecia mais próximo do nosso mundo. Os celtas adoravam peregrinações a lugares onde Deus se sentia próximo. Eles se sentiam confortáveis em experimentar mistério e admiração diante de um Deus transcendente. Eles amavam a Trindade: três em um, um em três. Esses são alguns dos temas que veremos nas postagens do blog nas próximas semanas.
Distintivos da Espiritualidade Cristã Celta
1. Central para a espiritualidade celta é a encarnação e um intenso senso da presença de Deus. O Celta era uma pessoa intoxicada por Deus, cuja vida era abraçada por todos os lados pelo Ser divino.
a) A presença de Cristo estava quase fisicamente entrelaçada em suas vidas
b) Deus (Jesus) foi tratado com admiração, reverência e temor, mas foi essencialmente visto como uma figura humana intimamente envolvida em toda a criação e envolvida numa relação dinâmica com ela.
c) Cristo é o nosso “companheiro de caminhada”. Ele é nosso guia, nosso protetor, e oramos com ele e podemos confiar nele sempre onde quer que vamos.
d) A Trindade faz parte da família eterna de Deus à qual também pertencemos. Cada unidade familiar, clã ou comunidade era vista como um ícone da Trindade.
e) Toda a criação responde à presença criativa e ao amor sustentador de Deus. Deus não apenas envolve e protege a criação, mas também a anima, ativa e inspira.
2. Uma crença na fina espessura do véu entre este mundo e o próximo . O céu e a terra estão interligados e interagindo.
a) Os cristãos celtas acreditavam que a “nuvem de testemunhas” está sempre conosco. Eles oraram conscientemente como membros da grande companhia de exércitos – as pessoas da Trindade, anjos e arcanjos, bem como todos os que vieram antes de nós, foram todos vistos como companheiros próximos na sua jornada.
b) Através desta mesma multidão de testemunhas, Deus os protegeu das forças do mal e dos inimigos.
3. Importância das pequenas coisas – nenhuma tarefa é trivial demais para ser santificada pela oração e bênção
a) Todo trabalho é sagrado – Mesmo as pequenas tarefas mundanas, como lavar pratos, ordenhar a vaca e semear, têm um significado sagrado.
b) Isto tem paralelo na sua identificação com as pessoas comuns, os marginalizados e os oprimidos. Todas as pessoas representavam a Deus e podiam ser visitantes celestiais disfarçados.
c) Oferecer hospitalidade abriu uma porta para o reino de Deus e acolheu Jesus no meio deles. Foi uma importante expressão de amor tanto para com Deus como para com o próximo.
4. Segundo a teologia celta, o corpo é essencialmente bom. A ação pecaminosa era vista como errada, mas o corpo é uma dádiva em todas as suas capacidades.
5. Um forte sentimento de pecado e a presença de forças do mal no mundo resultaram num forte reconhecimento da necessidade de penitência, que muitas vezes levou a vidas austeramente ascéticas.
A espiritualidade celta afirma que o pecado deforma a pessoa que somos chamados a ser em Cristo. Ela escraviza e o objetivo, portanto, é libertar-se da escravidão. Alguns santos celtas tornaram-se peregrinos perpétuos ou viveram como eremitas para evitar os confortos e as tentações de uma existência estável na qual o mal poderia florescer (martírio branco).
6. Toda a vida flui em um ritmo de fluxo e refluxo refletido no mundo natural. Isto se reflete no ritmo monástico que fluía entre a oração e o estudo, o trabalho e o descanso, a comunidade e a solidão.
7. Os cristãos celtas adaptaram-se bem à cultura em que operavam. Às vezes são acusados de sincretismo por causa do uso de símbolos pré-cristãos que transformaram em símbolos de fé.
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